quarta-feira, 12 de setembro de 2012

ATIVIDADE DOS CURSOS DE LETRAS E PEDAGOGIA - 2º SEMESTRE DE 2012


Mais uma vez nos encontramos aqui no blog para debater temas de relevância para nossa formação pedagógica. Neste semestre, o texto orientador das discussões acadêmicas será do filósofo MÁRIO SÉRGIO CORTELLA. Tivemos o privilégio de ver uma apresentação dele na Feira do Livro realizada em Suzano no início deste ano, portanto, nada mais enriquecedor do que conhecer um pouco mais sobre este grande educador. Leia atentamente as colocações de Cortella e depois registre suas reflexões no espaço destinado aos comentários. 



A RELAÇÃO SOCIEDADE/ESCOLA: 

ALGUNS APELIDOS CIRCUNSTANCIAIS
Mário Sérgio Cortella

Por volta de 1632, Comênius enunciou uma desalentada análise de Educação que, de um ponto de vista desanimador, seria profundamente pertinente à nossa realidade atual:

“Desde há mais de cem anos, espalhou-se uma grande quantidade de lamentações sobre a desordem das escolas e do método, e, sobretudo, nos últimos trinta anos, pensou-se ansiosamente nos remédios. Mas, com que proveito? As escolas permaneceram tais quais eram. Se alguém, particularmente, ou em qualquer escola em particular, começou a fazer qualquer coisa, pouco adiantou: ou foi acolhido pelas gargalhadas dos ignorantes, ou coberto pela inveja dos malévolos, ou então, privado de auxílios, sucumbiu ao peso dos trabalhos; e, assim, até agora, todas as tentativas têm resultado vãs” (Comênio, 1985, p. 467-468)

Ignorância, inveja maldosa, desamparo e exaustão pessoal são as causas da “desordem escolar” indicadas nesse trecho pelo persistente educador tcheco; ele as apontou como fatores de responsabilidade individual pelos males educacionais, há mais de 4 séculos!
Contudo, se omitirmos o contexto e a autoria dessa análise, é muito provável que grande parte dos educadores no Brasil a assumisse como plenamente coincidente com a realidade de nossa Educação e até a considerasse como aqui elaborada recentemente. Como a Escola, devem ser acrescentadas determinantes sociais de nossa profissão.
Qual o sentido social do que fazemos? A resposta a essa questão está na dependência da compreensão política que tivermos da finalidade do nosso trabalho pedagógico, isto é, da concepção sobre a relação entre Sociedade e Escola que adotarmos.
Vamos nos deter um pouco sobre três dessas concepções que, grosso modo, representam posturas predominantes em vários momentos de nossa Educação e que, de alguma maneira, convivem simultaneamente (nas escolas e, muitas vezes, em cada um de nós).
[...]
O otimismo ingênuo atribui à Escola uma missão salvífica, ou seja, ela teria um caráter messiânico; nessa concepção, o educador se assemelharia a um sacerdote, teria uma tarefa quase religiosa e, por isso, seria portador de uma vocação. Na relação com a sociedade, a compreensão é a de que a educação seria a alavanca do desenvolvimento e do progresso; a frase que resume isso é “ o Brasil é um país atrasado porque a ele falta Educação; se dermos Escola a todos os brasileiros, o país sairá do subdesenvolvimento
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Tal posição predominou quase isoladamente até meados dos anos 1970, quando começou a ser abalada pela influência de uma análise mais contundente do fenômeno educativo.
Entra em cena, nessa época, uma outra concepção, apoiada na noção central de que a educação é, isso sim, a tarefa primordial de servir ao Poder e não a de atuar no âmbito global da sociedade e, por isso, não é nada mais do que um instrumento da dominação. A esta visão daremos o apelido de pessimismo ingênuo.
Por contraposição à concepção anterior, esta defende a idéia de que a função da escola é a de reprodutora da desigualdade social, com um caráter dominador; nela o educador é um agente da ideologia dominante, ou seja, um mero funcionário das elites. Dessa forma, por ser a sociedade impregnada de diferenças garantidas por um Poder comprometido, a relação da escola com ela é a de ser um aparelho ideológico do estado, destinado a perpetuar o “sistema”
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No início dos anos 1980 foi sendo gestada ma outra concepção que buscou resgatar a positividade das anteriores, procurando superar tanto a fragilidade inocente contida no otimismo desenfreado quanto o imobilismo fatal presente no pessimismo militante. A ela chamaremos otimismo crítico, ao pretender indicar o valor que a escola deva ter, sem cair na noção de neutralidade ou colocá-la como inútil para a transformação social.
Esta concepção deseja apontar a natureza contraditória das instituições sociais e, aí a possibilidade de mudanças; a educação dessa maneira, teria uma função conservadora e uma função inovadora ao mesmo tempo.
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Para um otimismo crítico, o educador é alguém que tem um papel político/pedagógico, ou seja, nossa atividade não é neutra e nem absolutamente circunscrita. A educação escolar e os educadores têm , assim, uma autonomia relativa; podemos representá-la com a inserção da escola no interior da sociedade, com uma via de mão dupla e não como na primeira concepção, com a escola totalmente independente e nem como na segunda, com ela dominada inteiramente.
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Comênius. Nome latinizado de Jan Amos Komensky (1592-1670), educador nascido na Moravia (parte da atual República Tcheca) e que buscou empreender reformas educacionais em seu país, na Suécia, Inglaterra, Polônia, Hungria e Países Baixos.

CORTELLA, Mario Sergio. A escola e o conhecimento: fundamentos epistemológicos e políticos. 14. Ed. São Paulo: Cortez, 2011.